RIO GRANDE DO SUL
A 4ª Divisão Libertadora e a 3ª Brigada Legalista
   
Duas forças que se enfrentaram nos dez meses de conflito que a revolta durou aqui.

Por Escritor e Professor Marcelo Valerão.
19/05/2023 14h13

Por: Marcelo Valerão

Nascido na Histórica cidade de Canguçu, mas registrado noutra histórica cidade, Camaquã. Naquela época era difícil ir no lombo do cavalo viajar dois dias só para registrar um nascimento. Escritor, professor da rede estadual de educação, morador da costa do Rio Camaquã, formado em Licenciatura Plena em História pela Ufpel, Pós-graduado em História da África pela FAVENI, tendo pesquisado as formações Quilombolas oriundas das Charqueadas de Pelotas e pesquisador da história do Rio Grande do Sul.  

No centenário do último conflito armado do nosso estado, estamos rememorando tal feito que ainda conserva acervos riquíssimos desta que foi conhecida como "A Revolução de 23". E com inúmeras formas de se abordar tal tema vou me ater sobre a formação da 4ª Divisão Libertadora e da 3ª Brigada Legalista que atuaram na região Sul do Sul do Rio Grande, e como faço parte dessa região é de muito mais valia contar um breve histórico destas duas forças que se enfrentaram nos dez meses de conflito que a revolta durou aqui. 

Um ponto em especial na região abordada é que nela se encontra o Castelo de Pedras Altas do opositor político de Borges de Medeiros, Joaquim Francisco de Assis Brasil e onde foi assinado o tratado de paz em dezembro daquele ano, conhecido como o Pacto de Pedras Altas. Sendo que a 4ª Divisão Libertadora defendia os interesses dos revoltosos em nome de Assis Brasil, tinha essa alcunha de Libertadora, para "libertar" o Rio Grande das "garras" de Antônio Augusto Borges de Medeiros. E a 3ª Divisão Legalista era para manter a Legalidade do governo independentemente eleito ou não de forma ética. 

As colunas guerrilheiras foram se formando conforme se ia desenrolando o palco de conflitos no ano de 1923. A 4ª Divisão Libertadora teve esse nome por se diferenciar das outras três que atuaram nas demais regiões do Estado, como a 1ª Divisão chefiada por Honório Lemes, a 2ª divisão por Felipe Portinho e Leonel Rocha, a 3ª Divisão por Estácio Azambuja e essa por José Antônio de Mattos Souza Netto, o Zeca Netto. De todos os líderes "rebeldes" este era tido como um dos mais experientes, no auge de seus quase 70 anos montou a cavalo e percorreu mais de 3 mil km entre idas, vindas e cruzadas nas cidades da Serra baixa do Estado, como é conhecida o conjunto montanhoso que compreende a serra dos Tape, Serra de Canguçu e Escudo Sul-rio-grandense. Sendo que essa Serra abrange geograficamente desde São Jerônimo (Norte), até Pinheiro Machado (Sul) e Santa Maria (Oeste) e inclui a planície da Laguna dos Patos. 

O intitulado general da 4ª Divisão Libertadora, Zeca Netto era de família guerrilheira, seu avô por parte paterna se envolveu na anexação do Uruguai em 1816, seu pai e seu tio lutaram na Revolta Regencial que conhecemos como "Revolução Farroupilha" ao lado dos rebeldes. Zeca Netto era sobrinho do General Antônio de Souza Netto que proclamou a República Rio-Grandense em 11/09/ 1836 nos campos dos Menezes após vitória contra os Imperiais na batalha do Seival. E sua história de revolucionário não parava por aí, em 1893 na famigerada "Revolução Federalista" pegou em armas defendendo os interesses de Júlio de Castilhos nessa região, porem os tempos eram outros e trinta anos depois de apoiador se tornou opositor do mesmo partido que defendeu em 1893. Em 1948, cerca de alguns meses antes de sua morte aos 94 anos deu uma entrevista para Luiz Carlos Barbosa Lessa o mesmo que junto de Paixão Cortez pesquisou e deu os alicerces ao MTG, e praticava ainda "tiro ao alvo" em sua Estância da Chácara no município de Camaquã. 

Dentre seus companheiros cito alguns nomes sem diminuir a bravura e coragem de tantos que lutaram e tombaram nos campos de batalha. Um detalhe importante a patente militar da maioria dos envolvidos não era oficial e sim era comum na Primeira República (1889-1930). A lista de nomes é imensa, infelizmente muitos não tinham nem documentos e através desse esboço é uma forma de homenagear esses anônimos guerreiros do nosso estado. Temos dos mais conhecidos guerrilheiros da coluna de Zeca Netto, o seu Estado Maior era formado pelo Coronel Boaventura Luiz Pereira, o Coronel Cristóvão Gomes de Andrade e o Coronel Adão Dias, tendo como secretário Ildefonso Simões Lopes Filho, filho do deputado Simões Lopes (natural de Pelotas). Outros não de menor valor e bravura tínhamos o Capitão Herculano Dutra, o Capitão Antoninho Netto, sobrinho de Zeca Netto e o jornalista Dário Crespo de Canguçu tínhamos Tarsílio Matos, Djalma Mattos e o veterano Coronel de 1865 e 1893 João Paulo Prestes, também nesse ínterim citamos o major Téo Kleemann que foi soldado da Primeira Guerra e um dos irmãos Bozzano naturais de Santa Maria, onde estes irmão eram Júlio Rafael Bozzano dos Borgistas lutando contra seu irmão Carlos Bozzano que fazia parte das forças de Zeca Netto. Um livro e filme de Tabajara Ruas detalha a separação da família Bozzano por conta das revoltas de 1923, 1924 e 1926 no estado, "Os Senhores da Guerra". 

Já a 3ª Divisão Legalista tinha a seu lado a Brigada Militar era comandada pelo Coronel de carreira Juvêncio Maximiliano Lemos, militar experiente participou na defesa do cerco de Bagé em 1893, sendo ferido em combate. Era natural de Canguçu, exerceu a intendência de Bagé e de Santana do Livramento, logo após o final da revolta foi designado como diretor do colégio Pelotense, vindo a falecer em 1953 em Pelotas. Sua coluna era composta também por tenentes coronéis provisórios e seus corpos de provisórios. Dentre eles destacamos; Tenentes coronéis Francelísio Meirelles de Encruzilhada do Sul, Hipólito Ribeiro Filho de Canguçu, José Lucas Martins destacado para defender Pelotas, Bernardino Mota e Leão Silveira Terres, de Canguçu, majores Aldrovando e Hamilton Andrade Leão de Pelotas e Capitães provisórios Antoninho Soares de São Lourenço do Sul, Capitão Manuel Joaquim de Jesus de Camaquã, subtenente Augustinho Gómez Valerón do Uruguay, capitão João Gonçalves Meirelles de Encruzilhada do Sul Como citado esse levante armado tinha em suas fileiras inúmeros anônimos que pegavam em armas e escreviam seu nome na história, pretendo com isso não citar tantos mais, apenas aqueles aos quais há documentação em arquivos históricos. 

Os principais confrontos que se deram na região foram em abril de 1923 na região onde hoje se encontra a cidade do Cristal, na época conhecida como Passo do Mendonça, sendo divisa entre Camaquã e São Lourenço do Sul, outros dois combates se deram no município de Canguçu sendo o do Serro Partido em julho de 1923 e o mais sangrento da região em agosto de 1923, conhecido como o Combate de Canguçu Velho. Mas o maior feito ao qual deu novos rumos a Revolução foi a tomada de Pelotas em 29 de outubro de 1923 por Zeca Netto com 250 homens tomou a segunda maior cidade do estado, porem essa é uma outra história para ser contada com mais detalhes. 

Fontes: 

CIBILS, Luís Alberto. Tapes, Camaquã, Guaíba e Barra do Ribeiro: contribuição para o estudo do Rio Grande do Sul. Editora Tipografia, 1959. 

DONATO, Hernâni. Dicionário das batalhas brasileiras. Ibrasa, 1996. 

FERREIRA FILHO, Arthur. Revolução de 1923. Oficinas Gráficas do Departamento de Imprensa Oficial do Estado, 1973. 

VALERÃO, Marcelo. Libertadores e Legalistas. A História do Combate do Passo do Mendonça na Revolta de 23. 1ªEd. Letras e Versos, 2021. RJ.


   

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