RIO GRANDE DO SUL |
Centenário da Revolução de 1923: o contexto revolucionário em Palmeira das Missões |
O ataque de maiores proporções aconteceu em 04 de junho de 1923. |
- Lurdes Grolli Ardenghi - Mestre em História pela Universidade de Passo Fundo. Professora com atuação em escolas da rede estadual e particular. Tem artigos publicados sobre o tema coronelismo e a questão da terra em livros e revistas de história.
A construção histórica do Rio Grande do Sul foi marcada por disputas constantes desde os primórdios da ocupação portuguesa e espanhola, marcando nossa identidade como um povo destemido e guerreiro. Assim, nosso estado foi palco de muitos confrontos armados e embates políticos que marcaram o território a “ferro e fogo” e se estenderam até meados do século passado. A Revolução de 1923, para muitos historiadores, foi o último grande conflito armado no estado, embora a análise do período pós 1923, mostre sequelas com muitas manifestações e lutas armadas na busca da pacificação que o Acordo de Pedras Altas não conseguiu garantir.
O centenário do confronto de 1923 é um momento importante para trazer para a luz os fatos que marcaram o período e repensar novas formas de revisitar nossa história. A designação Revolução de 1923, embora reproduzida constantemente, revela-se inadequada no sentido estrito da história, tratando-se sim de uma Guerra Civil, visto envolver facções divergentes dentro do estado do Rio Grande do Sul. Para o poder público era um movimento de bandoleiros, como foram tratados no Inquérito policial que investigou os envolvidos.
O confronto deixou marcas e nomes como Assis Brasil, Borges de Medeiros, e tantos outros ainda hoje estão presentes no imaginário coletivo, dividindo opiniões ou gerando encantamento.
Muito já se falou dos motivos do movimento que colocava em confronto Chimangos e Maragatos, deflagrado em virtude da reeleição de Borges de Medeiros que teria conseguido seu quinto mandato em eleições cujas fraudes eram constantes. A Constituição autoritária e centralizadora, permitindo a reeleição sem limites, garantiu ao Partido Republicano Rio-Grandense a permanência no poder e o domínio das ideias do Castilhismo/Borgismo durante toda República Velha.
O Movimento de 1923 mobilizou todo estado, sendo intenso no norte, especialmente, na região da Grande Palmeira, onde os sinais de rebelião já se faziam presentes no ano de 1922 e se manteve forte até o final, colocando em confronto a força dos coronéis borgistas e o líder maragato Leonel Rocha que comandou tropas não convencionais de caboclos despossuídos de suas terras e descontentes com a política de imigração adotada pelo governo. Nesta região o conflito atingiu características diferenciadas do resto do estado. De modo geral a historiografia rio-grandense destaca que as lutas travadas no estado ocorrem entre frações da classe dominante - luta intraclasse, entre os coronéis da Campanha e os coronéis do Planalto. Na Região da Grande Palmeira o grupo de oposição, identificado como poder do mato, era social e economicamente distinto, dos estancieiros da Campanha, dos quais eram aliados nas lutas de 1893 e 1923.
Na pesquisa que realizei e publicada no livro Caboclos, ervateiros e coronéis: luta e resistência no norte do Rio Grande do Sul emerge a figura de Leonel Rocha como líder maragato que comandava o poder do mato em confronto com o poder do campo. Essas designações se originam da caracterização dos grupos de acordo com a ocupação do espaço, que deu origem a grupos diferenciados: a área de campo ocupada pelos tropeiros paulistas, deu lugar às estâncias e domínio dos coronéis, que aliados do governo estadual, constituem o grupo que detêm o poder. Nas áreas de mata, ocupadas inicialmente pelos indígenas e depois pelos extrativistas de erva-mate, constituem uma população cabocla, que sobrevive do extrativismo e da pequena agricultura. Quando as áreas de mata começam a ser privatizadas, pela colonização oficial ou particular ou pelo apossamento dos grandes latifundiários, levantam-se em armas, constituindo o poder do mato. Importante lembrar que a política de imigração concedeu terras e subsídios a imigrantes europeus e esqueceu a população cabocla.
A liderança de Leonel Rocha, identificado como um caudilho a pé, se torna inequívoca e comanda o confronto com táticas de guerrilhas atacando pontos estratégicos, em constante ligação com os líderes do movimento em outras regiões do estado como Felipe Portinho, Mena Barreto e seguindo a liderança de Assis Brasil.
Em Palmeira das Missões, os ressentimentos da Revolução de 1893 deixaram marcas profundas devido à violência dos confrontos ocorridos, como é o caso da Chacina de Boi Preto e animosidades e rixas que estiveram presentes nas disputas políticas. Desta forma Palmeira foi dos primeiros municípios a se levantar em armas contra a posse de Borges de Medeiros. O final do ano de 1922, já apresentava indícios da deflagração do movimento na região de Fortaleza, Rio da Várzea e Potreiro Bonito, onde Leonel Rocha reunia o contingente das tropas revolucionárias. Quando o Deputado Arthur Caetano deflagra o movimento em Passo Fundo em 24 de janeiro, Leonel Rocha tenta apoderar-se de Palmeira.
A extensa área florestal de Palmeira constitui-se num espaço privilegiado para a ação intensa dos maragatos durante o conflito. Os líderes revolucionários maragatos dividiam as tropas em vários grupos o que exigia dos governistas uma ação constante em várias frentes. Durante todo período, Leonel manteve suas tropas nas matas do município, fazendo ataques frequentes, num típico movimento de guerrilha. O ataque de maiores proporções aconteceu em 04 de junho de 1923, quando auxiliado por Menna Barreto e Serafim de Moura Assis, e contando com o apoio do republicano dissidente, Josino Eleutério dos Santos, tentou tomar a Vila de Palmeira. O ataque era esperado há muito, e Vazulmiro Dutra, líder republicano local procurou fortificar a vila e tomar uma posição defensiva concentrando tropas nas principais entradas da cidade e construindo trincheiras e barreiras nas ruas que davam para a Intendência.
Foto: Firmino de Paula, com cigarro na mão, e Vazulmiro Dutra à esquerda / Arquivo Pessoal.
O episódio teve cenas marcantes relatadas pelos contemporâneos e as tropas maragatas retiraram-se da vila sem conseguir seu intento. Na memória coletiva, o episódio adquiriu relevância especial em razão de terem ficado mortos na periferia da vila três maragatos, os quais foram sepultados em cova rasa por algumas pessoas que ficaram sensibilizadas. O local mais tarde, deu origem à denominação “Maragatinhos” para o local e o córrego próximo. O local transformou-se em ponto de reverência, com manifestações como na composição premiada no 28º Carijo da Canção Gaúcha – Quem são eles? de autoria de Josué Rodrigues – que destaca o imaginário social “por isso recebem flores, orações e oferendas com pedidos de socorro... por justiça e liberdade”.
Vários combates marcaram a revolução na região e no estado. Os revolucionários aguardavam, desde o início, a intervenção do governo federal para depor Borges de Medeiros, o que não aconteceu. O General Setembrino de Carvalho foi enviado para negociar a paz. Assis Brasil convenceu-se da necessidade de passar “da luta das armas para a luta das urnas” e no dia 14 de dezembro de 1923, no castelo de Pedras Altas, foi assinada a “Ata de Pacificação”, não sem antes ter ocorrido intensa luta interna em ambas as facções.
Os revolucionários palmeirenses não aceitaram facilmente a solução conciliatória negociada pelos líderes federalistas. Leonel Rocha rendeu-se às decisões dos chefes das outras divisões afirmando que não seria ele o “óbice à harmonia da família rio-grandense” submetendo-se ao que a maioria resolveu.
A Paz de Pedras Altas atendia aos interesses da classe dominante, mas não resolvia os motivos subjacentes que motivavam os federalistas que compunham o poder do mato na área do município de Palmeira. A luta armada não cessou na região, e Leonel Rocha aparece ora atuando em confrontos de terra e disputas locais, ora aproximando-se do movimento tenentista.
Foto: Oficiais do 3º Corpo Provisório. Vazulmiro Dutra é o segundo sentado, da esq. para a dir., com as mãos sobre o cabo da espada / Arquivo pessoal.
![]() |
![]() |
![]() |
![]() |
![]() |